Leonardo de Oliveira Schneider
O filme “A Mulher no Jardim”, de Jaume Collet-Serra (diretor), constrói-se em narrativa ancorada no sobrenatural, buscando estrutura em uma história repleta de simbolismos que, como abordarei a seguir, retomam em metáfora questões entornadoras do comportamento pós-traumático e depressivo de Ramona (Danielle Deadwyler), personagem principal e centro de todos os acontecimentos bizarros que permanecem à disposição de susto aos espectadores mais atentos. Como ficará claro, tal obra audiovisual não está muito distante de qualquer obra de terror superficial e voltada aos famosos jumpscares, mas também tenta fugir do comum, explorando o medo fantasioso como transposição de dores e sentimentos reais muito conhecidas no campo da realidade, principalmente em se tratando do que Kehl (2015) trataria como uma patologia secular: a depressão.
Nesse sentido, a narrativa se desenvolve centrada em cena inicial um tanto quanto melancólica, com Ramona, a mãe das duas crianças que com ela moram, revisitando um vídeo alegre em que aparece ao lado do falecido marido, imaginando como seria morar em casa rural, com galinhas e direito à tranquilidade do campo. Logo, vemos que a fratura da personagem não é meramente física, mas também emocional, o que faz com que a vida dela se resuma em um quadro de isolamento depressivo. Não por acaso, quem parece cuidar de sua filha é o próprio primogênito, também criança. Levando-se em conta essa pequena introdução aos personagens que o filme nos traz, há o início verdadeiro da trama: o aparecimento de uma figura estranha no jardim da casa. Quem avisa é o próprio garoto, recém brigado com a mãe — algo aparentemente comum nesse novo estado transitório de Ramona. Dado o fato estranho, entretanto, Ramona toma as rédeas da situação e vai de encontro à figura aparentemente sombria e demoníaca. O que vemos em seguida é uma sequência de diálogos estranha, em que se supõe que a mãe já conhecia a tal criatura feminina demoníaca estranha presente no quintal da casa.
Assistimos a uma sequência de conflitos internos, que seguem acontecimentos bizarros, tais quais o desaparecimento do cachorro da família, sombras se movimentando, a mulher (do jardim) se aproximando cada vez mais, a mãe esfaqueando travesseiros ao imaginar que fossem a própria filha, surtos de raiva, brigas e mais brigas, até que o cerne do que pareceria mais um filme de terror comum, uma história ancorada na presença estranha, e no medo do desconhecido espiritual e sobrenatural, ruma a um caminho já explorado por filmes como Babadook (2014), colocando-se a figura demoníaca, das trevas, desconhecida e esquisita ao comum do real, como um objeto metafórico amedrontador.
Vê-se que a mulher se aproximando representa, igualmente, a aproximação de algo, sim, ruim, mas não algo explicitamente físico e palpável. A mulher de preto, ali parada e imóvel no jardim, se movimentando como que através da luz, não do escuro, se faz um sentimento, uma sensação e um desejo do qual Ramona realmente possui medo. Descobrimos, no entanto, que ela deseja subjetivamente a aproximação deste objeto à casa, não só isso: pede por ela todas as manhãs.
Por fim, percebemos claramente do que se trata: assim como em Babadook (2014), o objeto de medo físico do filme reluz à depressão e seus sintomas, algo abstrato, subjetivo, mas que causa sequelas aparentes e físicas na personagem. O medo de Ramona ao reconhecer a mulher ainda no início do filme nos mostra que ela já a conhecia, entretanto. Não só conhecia como pedia a ela forças: forças àquela entidade (a depressão, talvez) para que pudesse finalmente agir a favor do que sentia: o vazio da existência após a perda, o sentimento de impotência, o despertencimento a este plano, da vida, do papel social de se estar vivo e a filhos vinculada. Percebemos que, contrariando muitas obras fílmicas de terror, a luz aqui não viria para derrotar as trevas, a morte ou o que a acompanhasse, mas sim para trazer conforto a personagem e somente a morte a confortaria, o impedimento: seus filhos.
Numa jogada simbólica entre luz e sombra, conhecido e desconhecido, explícito e subliminar, vemos em final que Ramona claramente reconhecia aquele sentimento e entendia de onde ele vinha, não o temia, mas o queria — mesmo que involuntariamente. Por isso, considerando o longa obra subjetiva artística ancorada em simbolismos profundos, diria que a narrativa entrega bem em mensagem metafórica a ideia que norteia o horror psicológico enquanto passando uma mensagem. O que parece enfraquecer, infelizmente, o filme é a maneira excessivamente objetiva com que entrega a subjetividade ao final. Talvez tivesse sido melhor manter a metáfora às escuras e deixar vago o espaço à reflexão na espectação.
Talvez, talvez, talvez... O que interessa de fato é que o filme como com terror psicológico típico de thrillers nos prende ao suspense e ainda nos faz refletir, o que o coloca em bom lugar na prateleira de filmes de terror tão repleta de vaguezas e sensações superficiais abstraídas do objeto fílmico que, antes de tudo, é arte em matéria de som e montagem.